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sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Os superpoderes dos vaga-lumes As pesquisas confirmam: eles podem ser muito úteis para a ciência




Quem diria que o vaga-lume, aquele pequenino inseto que tem o incomum hábito de emitir luz à noite, pode ser um poderoso aliado da ciência? Pois foi essa conclusão a que chegaram os pesquisadores que estudam esses insetos. Eles descobriram que os vaga-lumes têm substâncias poderosas que podem ser úteis de diversas formas, como retardar o envelhecimento, ajudar na procura de vida no espaço e até auxiliar a verificar se um determinado espermatozóide tem alta fertilidade. Na base de tudo está o pisca-pisca do vaga-lume, ou a bioluminescência, no jargão dos cientistas. Esse fenômeno é o resultado de uma reação bioquímica que ocorre nos fotócitos (células especializadas em emitir luz) do inseto. A luz acende pela combinação de quatro fatores: o oxigênio, a energia armazenada nas moléculas de ATP, ou trifosfato de adenosina (uma importante substância presente nas células de todos os seres vivos), a ação de uma enzima catalisadora, conhecida como luciferase, e a presença de um combustível chamado luciferina. O oxigênio, enviado aos fotócitos, passa a reagir com a luciferina e com a enzima luciferase. Da reação entre essas duas substâncias surge a oxiluciferina no estado fluorescente, que libera energia na forma de luz.

Pois foi justamente a luciferina dos vaga-lumes que chamou a atenção de um grupo de pesquisadores do Instituto de Bioquímica da USP. Eles demonstraram que essa substância pode servir de modelo para a fabricação de novos remédios contra o envelhecimento. Na verdade, essas drogas entrariam no combate aos radicais livres, espécie de sobra do oxigênio utilizado na respiração e que é nociva aos seres vivos. Os cientistas descobriram isso ao perceber que o vaga-lume, ao emitir seus lampejos de luz, elimina todas as sobras de oxigênio de sua respiração. "No inseto, a luciferina funciona como um antioxidante natural contra os radicais livres. Se conseguirmos imitar sua estrutura, podemos chegar a uma nova droga antioxidante", explica o bioquímico Etelvino Bechara, coordenador do grupo de pesquisadores do Instituto de Química da USP. Bechara esclarece que, assim como ocorre com os vaga-lumes, o organismo humano também produz radicais livres. Essas moléculas reagem com substâncias vitais à sobrevivência das células, como proteínas, lipídios e o próprio DNA (código genético) e provocam o envelhecimento e aparecimento de várias doenças, como catarata, artrite, os males neurodegenerativos de Parkinson e Alzheimer, problemas cardíacos e até câncer.

A peculiar reação bioquímica que permite ao vaga-lume acender sua luzinha também chamou a atenção dos pesquisadores da agência espacial americana, Nasa. Por meio dela, eles procuraram comprovar se há vida fora da Terra.

Até no espaço
Para isso, os cientistas colocaram em foguetes enviados à Lua e a Marte dispositivos com todos os reagentes das reações bioquímicas do inseto, exceto o trifosfato de adenosina (ATP) e oxigênio. A experiência é simples: ao levar todos os componentes da reação ao espaço - menos essas duas substâncias -, os pesquisadores pretendem descobrir se elas existem no universo. Se houver emissão de luz destes dispositivos no espaço, é sinal de que a ATP e o oxigênio também são encontradas fora da Terra. E isso seria espetacular, porque, com essas substâncias, é possível que exista alguma forma de vida extraterrestre. "Os resultados dessa pesquisa, porém, ainda são desconhecidos", conta Bechara.

Enquanto a Nasa não revela essas informações, as substâncias luciferina e luciferase mostram-se úteis também em outra área da medicina: elas servem para detectar a concentração de ATP em espermatozóides. Quando os espermatozóides brilham com intensidade na presença desses dois componentes, é sinal de que estão carregados pela energia da ATP, o que demonstra que esses gametas masculinos são mais férteis. "A combinação de oxigênio, luciferina, luciferase e ATP sempre gera luz. E luz indica vida", ensina Bechara.

Luz no cerrado
Atécnica criada pelos cientistas da USP serve ainda para o desenvolvimento de plantas e animais transgênicos. Ao enxertar, por exemplo, o gene da luciferase em bactérias que vivem associadas às folhas do tomate e do tabaco, os pesquisadores conseguem monitorar a saúde da planta e detectar se ela foi atacada por alguma praga agrícola. Isso porque, depois de modificadas geneticamente, as plantas começam a brilhar se regadas com luciferina, revelando as condições dos capilares das folhas que transportam a seiva. A luciferase também pode ser transformada em ferramenta da engenharia genética na marcação de genes em plantas ou animais. Os pesquisadores isolam o gene da luciferase e o injetam nos organismos. Emitindo luz, o gene-repórter, como é chamado pelos pesquisadores, pode confirmar se uma bactéria transformada geneticamente para produzir insulina carrega mesmo o gene para esse fim. "Se o gene-repórter acende, é porque a insulina está sendo produzida", explica o professor Bechara.

Os pesquisadores da USP costumam ir com freqüência a Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, no centro-oeste brasileiro, para estudar um fenômento curioso: as larvinhas de uma espécie de besouro luminescente que tem a estranha capacidade de emitir luz verde-amarelada. Essa espécie tem o hábito de viver dentro de cupinzeiros. À noite, as larvas acendem as lanterninhas para atrair suas presas prediletas, como algumas espécies de cupins, formigas e mariposas. "Esses cupinzeiros luminosos podem alcançar até 2,5 metros de altura. As milhares de larvas parecem luzinhas de árvores de Natal colocadas no meio da imensidão do cerrado", compara Bechara. O fenômeno, porém, corre o risco de desaparecer. "Ele está ameaçado pelo avanço da criação de gado e plantação de soja. Em Goiás, por exemplo, vários trechos que chegavam a abrigar um cupinzeiro luminoso a cada 5 metros quadrados simplesmente desapareceram", lamenta Bechara.

A lampadinha do amor
Fêmea
A luz emitida pela fêmea é um pouco mais fraca que a do macho. Quando estimulada pelo pisca-pisca dos machos, ela procura chamar a atenção graças à sua luz amarelo-esverdeada

Os vaga-lumes se reúnem em grandes grupos de machos e fêmeas, geralmente próximos a árvores e rios. O ritmo e a intensidade do pisca-pisca têm dois significados básicos: são formas de comunicação e de aproximação sexual entre machos e fêmeas. Antes do anoitecer, a luzinha dos vaga-lumes brilha sem muita força e os insetos permanecem quase parados em alguma folha. Mas, quando cai a noite, começa o ritual para perpetuar a espécie. Primeiro, os machos procuram as fêmeas no meio da mata. Depois, copulam

Depois da aproximação entre eles, começa a cópula. O macho prende as asas no abdome da fêmea, imobilizando-a

Depois do acasalamento, a fêmea passa a emitir novamente uma luz fraca e contínua e procura um lugar onde depositar os ovos

Macho
O macho pode mudar a intensidade do facho luminoso. À noite, emite um flash de luz a cada 1 ou 2 segundos

O vaga-lume voa em linha reta ou em ziguezague

Depois, ele se apóia em uma folha e passa a piscar cada vez mais rápido. É um convite à fêmea: ele está pronto para copular. Estimulado pela luminescência dela, ele voa à sua procura

Por fim, o macho retorna ao grupo e volta a emitir luz mais lentamente

Bechara: coordenador das pesquisas do Instituto de Química da USP

Anote
Na Internet:

http://www2.sel.barc. usda.gov/Coleoptera/research/history.htm

http://www.burger.com/ fflinks.htm

Piscadas traiçoeiras
O precioso flash de luz emitido pelos vaga-lumes é o que lhes garante a sobrevivência. Tão logo nascem, as larvas de algumas espécies já disparam suas luzinhas para atrair presas. Elas precisam comer muito bem, pois o vaga-lume adulto geralmente pára de se alimentar e vive de água e energia acumuladas no seu organismo na fase larval. Quando adultos, as piscadelas também servem para afastar predadores e atrair o sexo oposto na fase de reprodução. Na escuridão da mata, porém, todo o cuidado é pouco durante a corte sexual. As fêmeas de uma espécie de vaga-lume só encontrada na Malásia, por exemplo, criaram uma tática cruel para se alimentar. Elas imitam as sedutoras piscadinhas de fêmeas de outras espécies para atrair os machos. Cegos de paixão, os desavisados bichinhos se aproximam - e são devorados em poucos segundos. 



Por Wagner de Oliveira

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